São Paulo - Segunda maior despesa da área de RH (perde apenas para a
folha de pagamentos), os gastos com assistência médica chegaram só em
2012 a 46,3 bilhões de reais, segundo a consultoria Mercé Marsh
Benefícios, que prevê ainda um reajuste de 13% nesse item em 2014.
Os principais influenciadores nessa taxa de crescimento são o alto
número de sinistralidade da carteira, a inflação médica e a incorporação
de novas tecnologias, tratamentos e coberturas aos planos.
O mais importante, porém, é que, apesar de saberem que precisam combater esse mal e até conhecerem esses fatores, as empresas continuam derrapando em práticas ingênuas que pouco ajudam numa
verdadeira gestão de saúde. Na maioria das vezes são programas criados
de forma isolada que beiram ao populismo corporativo, mas pouco resolvem
o problema de fato.
A seguir, especialistas listam os principais erros cometidos pelas
empresas quando pensam em fazer um bom trabalho a favor da promoção da saúde. Só pensam.
1 A terceirização da saúde
O erro principal e primordial é a falta de gestão. Ao enxergar a saúde
apenas por um viés financeiro, boa parte das empresas deixa tudo nas
mãos das corretoras e consultorias e não se apropria da própria gestão
de saúde. “As empresas compram saúde e isso não é commodity.
Não se pode comprar por preço, mas por qualidade”, diz Michel Daud,
diretor de promoção à saúde da Telefônica, o case mais antigo de sucesso
de autogestão.
Ao jogar tudo para terceiros, as empresas ficam de mãos atadas para
tomar decisões em resposta a alguns indicadores que necessitam de
atenção, pois os desconhecem.
“A gestão e
o acompanhamento mais próximos da evolução do contrato de saúde
permitem ao RH agir antecipadamente para controlar seus custos por meio
de ações preventivas”, diz Victor Garibaldi, diretor da MDS Consultoria
de Seguros e Riscos.
O caminho inverso ao da terceirização, e o mais indicado segundo os
especialistas, é o da apropriação. “O plano de saúde não é o da
seguradora X, mas o da companhia que o contratou”, alerta Ricardo Lobão,
presidente da UIB Benefícios.
“Ela tem de customizar, criar a própria marca para poder mostrar ao funcionário que tipo de usuário ela quer que ele seja.”
2 Academias, grupos de corrida etc.
Muitas empresas, na melhor intenção de fazer o bem para todos, investem
em academias e outras ações de promoção da saúde, como palestras
antitabagismo, campanhas nutricionais e grupos de corrida. O problema —
constatam mais tarde — é que poucas vezes essas iniciativas impactam
realmente na saúde dos funcionários e, principalmente, no caixa do RH.
Uma pesquisa recente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida
(ABQV), por exemplo, revelou que a maioria das empresas brasileiras
afirma ter programas de incentivo à prática de esporte, mas 70% de seus
empregados são sedentários.
“Grupos de corrida, por exemplo, envolvem somente quem já iria correr
mesmo. Trata-se de um serviço de conveniência”, afirma Alberto Ogata,
presidente da ABQV. “O gordinho ou sedentário dificilmente vai se
inscrever.”
Michel Daud, médico cardiologista, alerta sobre outro risco dessas
atividades aleatórias. “Uma pessoa com problema no coração que não foi
tratada adequadamente não pode, por exemplo, participar de um programa
de corrida”, diz ele. “Não adianta fazer promoção da saúde sem tratar o
doente.”
Algumas dessas ações adotadas só por modismo de mercado, sem um
objetivo específico, podem até gerar mais custos do que economias. “Uma
vez, um profissional de RH com muito orgulho me mostrou o campo de
futebol da empresa e disse que tinha até fila de espera para participar
das atividades”, diz Lobão, da UIB.
“Ao ver a lista de participantes, percebi que 20% já tinham feito algum
tipo de exame de joelho ou cirurgia, provavelmente pelo campo
esburacado. A empresa não olhou para os indicadores e continuou sem
enxergar os custos e o absenteísmo gerados pela ação que eles
consideravam um sucesso.”
A HP é um bom exemplo de companhia que percebeu quanto as ações
isoladas de promoção da saúde não trazem benefício. Desde 2006, a
empresa oferece academia, massagem, grupo de corrida e acompanhamento
nutricional.
Em 2009, no entanto, a área de recursos humanos se deu conta de que
tais ações não estavam gerando o impacto esperado nem no grupo de
riscos, nem no financeiro. “Víamos uma melhora no engajamento e na
motivação, mas isso não era mensurável”, diz Claudia Giusti, diretora de
RH da HP para a América Latina.
Com o apoio de uma consultoria, a HP passou então a cruzar os dados de
assistência médica, atestados, afastados e questionários de saúde,
gerando indicadores atuais e áreas de atenção futura. Foi assim que a
empresa notou seu principal problema e ralo financeiro com assistência
médica: dos 8 000 funcionários, 200 ficavam até cinco anos sem voltar ao
trabalho.
Com acompanhamento médico, consultas periódicas e ajuda com a parte
administrativa do afastamento, a empresa conseguiu diminuir esse número
pela metade e o tempo de afastamento para até 120 dias. A média de dias
não trabalhados, que era de 287 em 2009 caiu para 97 neste ano e a
alíquota do FAP (Fator Acidentário de Prevenção) foi reduzida 40%.
3 Falta de metodologia
A área de recursos humanos tradicionalmente não gosta muito de números.
E a falta de indicadores e metodologia na construção de uma boa gestão
de saúde é um erro gigantesco. “Falta nas empresas um sistema eficiente
que organize, qualifique e interligue os dados relacionados à saúde”,
diz Francisco Bruno, consultor sênior da área de saúde corporativa da
Mercer Marsh Benefícios Brasil.
Antes de criar programas mirabolantes ou trocar de operadora de plano
de saúde, o RH deve — alerta Fabiana Salles, diretora executiva da GST,
empresa que cria soluções tecnológicas para gestão de saúde —
identificar qual indicador ele precisa reduzir e começar o ataque por
aí.
O Hospital Alemão Oswaldo Cruz foi atrás de um modelo para aperfeiçoar
sua gestão de saúde. Encontrou na Universidade Stanford, na Califórnia,
uma metodologia bem estruturada de geração e análise de indicadores.
Após uma imersão na universidade americana, Rodrigo Demarch, gerente de
qualidade de vida e saúde do hospital, e sua equipe passaram a integrar
todas as ações que já tinham.
Para estimular a participação dos funcionários nas ações voltadas para a
promoção da saúde, o hospital passou a oferecer um Passaporte Saúde,
com o qual o colaborador ganha milhas cada vez que adere a alguma
iniciativa, como frequentar a academia, participar de campanha de
vacinação ou fazer o exame periódico, deixando claro para o time que
tudo estava agora unido e não fazia mais parte de programas pontuais ou
isolados. A milhagem está também atrelada à remuneração variável dos
funcionários.
É claro que houve aperfeiçoamento dos serviços. O exame periódico do
hospital conta com um sistema de avaliação de bem-estar e saúde que
verifica hábitos alimentares, frequência de atividades físicas e fatores
de risco para doenças crônicas.
Só depois de preencher essa avaliação, o funcionário passa pela
consulta, que dura cerca de 1 hora e puxa todo o histórico do paciente. A
academia, por sua vez, pouco utilizada antes da integração dos
programas, tem hoje educadores físicos que atuam como personal trainer e
oferece atendimento diferenciado para quem tem pressão alta ou
diabetes, por exemplo.
Após criar uma metodologia e integrar os sistemas, o hospital conseguiu
mensurar seus resultados. Os exames periódicos anuais, por exemplo,
tinham, até 2009, 50% de adesão. Em 2012, chegou a 99,3%. A academia
passou de 100 para 650 frequentadores. Com tudo isso, nos últimos 18
meses, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz não teve reajuste por
sinistralidade.
“Deixamos de pagar um reajuste de 15% sobre 12 milhões de reais, que é o
que gastamos com plano de saúde — uma economia expressiva”, diz
Demarch.
4 Muita informação, pouca comunicação
Segundo dados da ABQV, as empresas hoje só conseguem a adesão média de
20% de sua população aos programas de promoção da saúde. “Os programas
do Brasil só levam a informação, seja no site, seja em folhetos ou em
palestras”, afirma Ogata, presidente da associação. “Informação não
falta, a dificuldade é atrair.”
Para fisgar o público, é preciso, segundo os especialistas, saber
comunicar suas ações. “No dia de ir embora de Stanford, um dos
responsáveis pelo curso me disse: ‘A partir de agora, seu melhor amigo é
o gerente de marketing’ ”, diz Demarch, do Oswaldo Cruz. Uma verdade
incontestável.
Os funcionários precisam saber o tempo todo o que a empresa oferece, o
que ela deseja, quais as regras do jogo, como participar das ações e o
impacto de tudo isso. Não basta apenas criar um espaço de saúde na
intranet e esperar que seus funcionários acessem e se informem dos
programas, das ações e do relacionamento com a operadora.
É preciso criar modelos diferentes e constantes de comunicação. “Em um
cliente, chegamos a colocar metas de consultas por ano com o objetivo de
incentivá-lo a se consultar mais e a buscar segundas e terceiras
opiniões antes das cirurgias”, diz Ricardo Lobão. “O usuário precisa de
ajuda para tomar a decisão de como utilizar melhor o produto ‘saúde’.”
5 Coparticipação como salvação
São várias as empresas que se apoiaram no modelo de coparticipação
acreditando que, ao compartilhar alguns custos com seu funcionário,
iriam diminuir os impactos financeiros do plano de saúde. Não é bem
assim.
“Utilizamos a coparticipação para corrigir um defeito, como um excesso
de consultas em determinada especialidade”, explica Lobão. Depois dessa
correção, o ideal é que se tire a taxa de coparticipação, informe o
usuário sobre o motivo e volte a usar o fator moderador apenas quando
houver nova necessidade.
Além disso, alerta Lobão, uma coparticipação acima de 30% pode gerar um
fator de represamento. “O usuário para de usar o plano com medo de
quanto pagará e a empresa fica feliz, mas é um engano porque, ao deixar
de se cuidar, ele poderá de repente precisar de um tratamento mais
agressivo, cujo custo será muito maior”, diz Lobão.
“O funcionário, quando aporta no hospital, gasta, em média, de 5% a 10% mais do que se ele tivesse feito as consultas.”
6 Troca-troca de operadora
Outro erro clássico da gestão de saúde é trocar de operadora
acreditando que a nova empresa vai ser o melhor caminho para uma conta
saudável. O custo da saúde é reflexo do produto oferecido e da
utilização dos beneficiários. Isso significa que, ao trocar de
operadora, mantendo-se os padrões equivalentes de plano e a mesma
característica de utilização, o custo será muito similar.
Para conter reajustes de sinistralidade, a empresa tem de trabalhar em
cima dos dados de utilização dos planos e de forma preventiva aos grupos
de sua população. O que precisa mudar não é a operadora do plano, mas a
forma como o RH faz sua gestão.
“A troca de operadora pode gerar, ainda, a insatisfação dos
funcionários e muito provavelmente levará a um novo reajuste após 12
meses”, diz Francisco Bruno, da Mercer Marsh.
7 Atenção só aos crônicos
Há quem acredite que uma boa gestão de saúde significa cuidar do grupo
de risco. Ficam tão obcecados em mapear os crônicos e cuidar dessa
parcela que se esquecem do restante. Um perigo! Pesquisas sobre
qualidade de vida mostram que 10% da população saudável das companhias
migra todo ano para o grupo de alto risco quando não é cuidada.
Por isso, os programas desenvolvidos e os cuidados devem ser voltados
para toda a população — e não para um grupo específico. “As empresas que
têm essa preocupação normalmente já têm a população mapeada e conhecem
os grupos”, diz Ogata.
“Com base nisso, o ideal é criar programas para cada perfil, seja de
alimentação, seja de incentivo à prática esportiva ou até atividades
mais motivacionais, que geram engajamento e são preventivas.” Dessa
forma, a empresa atinge todos — e não apenas 5% ou 10% do time.
Fonte: Portal Exame.com | 30.01.2014.
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